Dirce, a cristã por Henryk Siemieradzki
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Porque a tua graça é
melhor do que a vida; os meus lábios te louvam. Salmo 63.3 (ARA)
Em um tempo de caça aos cristãos em todos os cantos da Terra,
o Salmo 63 poderia muito bem ser considerado uma eficaz oração de socorro. Poderia,
caso ele não contivesse elementos que vão muito além dos padrões normais desse
tipo de salmo. Orações de socorro e são súplicas pelo livramento do mal existem
na maioria dos salmos, indistintamente de que mal esteja acometido o
suplicante. Mas o Salmo 63 não generaliza o mal, mas define bem o tipo socorro
que o salmista necessita. Não é um pedido de socorro para males que possam
sobrevir a qualquer pessoa a qualquer hora, como uma doença ou uma aflição
momentânea. Ele trata especificamente do mal da perseguição. Tudo nele nos faz
perceber os sinais da aflição e da angústia de uma pessoa que, por proclamar a
verdade de Deus, está sendo perseguida por um poderoso inimigo. Um mal do qual estranhamente
ele não precisaria da ajuda de Deus para se ver livre, porque diferentemente de
muitos outros males que não se poder evitar, este tipo de mal deixaria de atormentá-lo
no exato instante em que ele negasse a Palavra de Deus.
Neste salmo, como em 80% de todo Primeiro Testamento, a
palavra alma foi traduzida do termo hebraico NEFESH, que literalmente significa garganta. Os judeus daquela
época não tinham o conceito de alma tal como temos hoje. Isso só viria bem mais
tarde, através da influência grega. Seria complicado para o salmista expor os
seus sentimentos dando à alma a imaterialidade. Aliás, ainda não temos um
conceito definido de alma. O que é a alma? Para mim, Mario Quintana tem a
melhor resposta: Alma é essa coisa que
nos pergunta se a alma existe. Porém, mais do que da alma, este é um salmo
do corpo, pois mostra como a toxina do desespero desce-lhe pela garganta e consegue
espalhar-se por todo o seu organismo. Porém, ainda que a garganta tenha sede e
a carne que desfaleça, nos olhos ainda permanece viva a esperança de ainda mais
uma vez poder ver o brilho da glória de Deus. Por isso os seus lábios louvam e suas
mãos se erguem.
E eu gostaria de em rápidas palavras comentar alguns
aspectos marcantes da oração do poeta ba Biblia. A primeira delas é a que diz: a tua graça é melhor que a vida. Nós
cantamos esse hino como um hino muito alegre. Muita gente que até bate palmas
quando canta. Cantar é fácil. Encarnar a sua mensagem é algo totalmente
diferente. Porque o salmo diz que é melhor receber a graça de Deus do que continuar
vivo. Isso já é uma coisa dura quando somos nós quem dizemos. E quando quem diz
é um filho ou uma filha? Quando são os nossos entes queridos que se colocam totalmente
debaixo dos desígnios de Deus? Aí não desce redondo não, desce ressecando ainda
mais o nefesh, seja a garganta ou a
alma, porque o caminho que leva à vontade de Deus, na maioria das vezes, é duro
de se trilhar. Este salmo sobreviveu à rígida seleção do cânon da Bíblia quando
centenas de salmos parecidos ficaram de fora, porque ele nos coloca contra a
parede, nos faz fazer uma terrível escolha: queremos a graça ou preferimos a vida?
Este é o elemento que nos tira da comodidade, da letargia espiritual,
principalmente nas horas em que achamos que tudo está bem, quando não está. O
salmo deixa no ar a seguinte pergunta: Conseguiremos conviver confrontando a
principal mensagem do evangelho, que conclama todos a ter uma vida abundante,
com algo que se anuncia ser melhor e mais importante do que a própria vida?
Nesta hora devemos lembrar que a oração de Paulo quando buscava
em Deus socorro contra um inimigo, teve como respostas apenas um sonoro não: A minha graça te basta! É a esta consciência que nos deveria levar o
referido salmo. (continua)
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