É para confundir mesmo

Jesus e os doutores do Templo, Paolo Varonese

Pois a mente deste povo está fechada: Eles taparam os ouvidos e fecharam os olhos. Se eles não tivessem feito isso, os seus olhos poderiam ver, e os seus ouvidos poderiam ouvir; a sua mente poderia entender, e eles voltariam para mim, e eu os curaria! — disse Deus. Leiam Mateus 13.1-15.

Não conheço um cristão que não cite de cor alguns bons versículos do capítulo 6 de Isaías. Aquele que diz: A quem enviarei? Envia-me a mim, então, é o mais conhecido e apreciado, embora muito outros sejam também merecedores de apreciação por parte dos leitores da Bíblia. Contudo, um fato causa estranheza. Os versículos deste texto das Escrituras citados por Jesus são justamente aqueles aos quais não fazemos referência. Nós temos por hábito encerrar a leitura exatamente no versículo anterior ao que Jesus enfatiza. Por que isso é assim?

Penso que o próprio texto responde para nós hoje essa pergunta, posto que ele nos revela a face nua e crua da parte mais indigesta da pregação profética: a denúncia contra aquele que não crê e contra aquele que pensa que crê. Exatamente aquela parte da mensagem de Jesus que fazia com que seus inimigos rangessem os dentes contra ele e alguns dos que se diziam amigos, não por poucas vezes, o abandonassem.

O que texto de Isaías evoca é justamente o contraste que existe entre a boa vontade e a eficiência. Entre a verdadeira e a falsa mensagem profética. Ao ser perdoado do seu pecado e se ver livre da ameaça de morte diante da teofania mais significativa da sua vida, o profeta aceita o desafio do ir em nome de Deus. Sem qualquer hesitação ao chamado “A quem enviarei?”, reponde de pronto: Envia-me a mim. E não é isso o que normalmente fazemos em nossos cultos? Não é isso que tem se tornado regra de fé em comunidades, a pronta aceitação do convite para ir ao altar todas as vezes em que o pastor faz um apelo, seja para o que for esse apelo? Nosso povo está bastante consonância com o profeta, não somente com a suas palavras, como também pelo seu ímpeto, não atentando para o fato de que o problema começa justamente aí, quando Deus diz aquilo que quer que seja anunciado em seu nome: a confrontação da sua Palavra com a incredulidade do povo.

O reverendíssimo bispo Almir dos Santos dizia sempre: Sermão não é para ser apreciado. Sermão é para converter ou se indignar. Após a pregação ou você cai em profunda contrição e arrependimento ou faz o que os escribas e fariseus hipócritas faziam de melhor: Levantavam-se e iam para suas casas amaldiçoando tudo que ouviram naquela hora e planejar a morte de Jesus.

Mas eu havia dito que o texto explicava-se por si só. O texto é o divisor de águas entre os que de boa mente aceitam a mensagem da salvação, e aí Deus pode operar livremente em seus corações acrescentado o entendimento que faltava ao fiel, e aqueles cujas mentes são abestalhadas para não ver, não ouvir e não entender. Ou seja, para que sejam mais firmes e convictos na sua ignorância. Ignorância essa que eles atribuem àqueles que creem, justamente por estes creem naquilo que para eles é impossível crer. Não tenham receio em afirmar que o evangelho está aí para confundir mesmo. Paulo não se acanhou em chamar o evangelho de escândalo e loucura.

Porém Jesus vai além da confrontação com os incrédulos. Quando questionado pelos seus próprios discípulos pela parábola obscura que acabara de pregar, a parábola do semeador, ele elimina imediatamente o clima de dúvida com uma esperança: A vocês Deus mostra os segredos do Reino do Céu, mas, a elas, não. Mas não para por aí, em seguida profere uma sentença: Pois quem tem receberá mais, para que tenha mais ainda. Mas quem não tem, até o pouco que tem lhe será tirado (Mateus 13.12-13).

Jesus está querendo nos dizer que, em meio a tanta pregação equivocada que existe por aí, o evangelho deve ser pregado com sabedoria e fidelidade, pois ele serve pra isso mesmo: aumentar a fé daqueles que se dispõem a crer e anular qualquer possibilidade daquele que não crê entender pela metade o que só pode ser considerado por inteiro. O evangelho pela metade serve apenas para agradar os bodes, aqueles que se sentam nas primeiras filas para exibirem sua prosperidade suspeita como produto da sua fé. Somente a mensagem íntegra do evangelho pode nos revelar as coisas que os sábios do passado quiseram entender a não entenderam e nos fazer ver as coisas que profetas e reis quiseram ver e não viram.

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