Jesus e os doutores do Templo, Paolo Varonese |
Não conheço um cristão que não cite de cor alguns bons
versículos do capítulo 6 de Isaías. Aquele que diz: A quem enviarei? Envia-me a mim, então, é o mais conhecido e
apreciado, embora muito outros sejam também merecedores de apreciação por parte
dos leitores da Bíblia. Contudo, um fato causa estranheza. Os versículos deste
texto das Escrituras citados por Jesus são justamente aqueles aos quais não
fazemos referência. Nós temos por hábito encerrar a leitura exatamente no
versículo anterior ao que Jesus enfatiza. Por que isso é assim?
Penso que o próprio texto responde para nós hoje essa
pergunta, posto que ele nos revela a face nua e crua da parte mais indigesta da
pregação profética: a denúncia contra aquele que não crê e contra aquele que
pensa que crê. Exatamente aquela parte da mensagem de Jesus que fazia com que
seus inimigos rangessem os dentes contra ele e alguns dos que se diziam amigos,
não por poucas vezes, o abandonassem.
O que texto de Isaías evoca é justamente o contraste que
existe entre a boa vontade e a eficiência. Entre a verdadeira e a falsa
mensagem profética. Ao ser perdoado do seu pecado e se ver livre da ameaça de
morte diante da teofania mais significativa da sua vida, o profeta aceita o
desafio do ir em nome de Deus. Sem qualquer hesitação ao chamado “A quem
enviarei?”, reponde de pronto: Envia-me a
mim. E não é isso o que normalmente fazemos em nossos cultos? Não é isso que
tem se tornado regra de fé em comunidades, a pronta aceitação do convite para
ir ao altar todas as vezes em que o pastor faz um apelo, seja para o que for
esse apelo? Nosso povo está bastante consonância com o profeta, não somente com
a suas palavras, como também pelo seu ímpeto, não atentando para o fato de que
o problema começa justamente aí, quando Deus diz aquilo que quer que seja
anunciado em seu nome: a confrontação da sua Palavra com a incredulidade do
povo.
O reverendíssimo bispo Almir dos Santos dizia sempre: Sermão não é para ser apreciado. Sermão é
para converter ou se indignar. Após a pregação ou você cai em profunda
contrição e arrependimento ou faz o que os escribas e fariseus hipócritas
faziam de melhor: Levantavam-se e iam para suas casas amaldiçoando tudo que
ouviram naquela hora e planejar a morte de Jesus.
Mas eu havia dito que o texto explicava-se por si só. O
texto é o divisor de águas entre os que de boa mente aceitam a mensagem da
salvação, e aí Deus pode operar livremente em seus corações acrescentado o
entendimento que faltava ao fiel, e aqueles cujas mentes são abestalhadas para
não ver, não ouvir e não entender. Ou seja, para que sejam mais firmes e
convictos na sua ignorância. Ignorância essa que eles atribuem àqueles que
creem, justamente por estes creem naquilo que para eles é impossível crer. Não
tenham receio em afirmar que o evangelho está aí para confundir mesmo. Paulo
não se acanhou em chamar o evangelho de escândalo e loucura.
Porém Jesus vai além da confrontação com os incrédulos. Quando
questionado pelos seus próprios discípulos pela parábola obscura que acabara de
pregar, a parábola do semeador, ele elimina imediatamente o clima de dúvida com
uma esperança: A vocês Deus mostra os
segredos do Reino do Céu, mas, a elas, não. Mas não para por aí,
em seguida profere uma sentença: Pois
quem tem receberá mais, para que tenha mais ainda. Mas quem não tem, até o
pouco que tem lhe será tirado (Mateus
13.12-13).
Jesus está querendo nos dizer que, em meio a tanta pregação
equivocada que existe por aí, o evangelho deve ser pregado com sabedoria e
fidelidade, pois ele serve pra isso mesmo: aumentar a fé daqueles que se dispõem
a crer e anular qualquer possibilidade daquele que não crê entender pela metade
o que só pode ser considerado por inteiro. O evangelho pela metade serve apenas
para agradar os bodes, aqueles que se sentam nas primeiras filas para exibirem
sua prosperidade suspeita como produto da sua fé. Somente a mensagem íntegra do
evangelho pode nos revelar as coisas que os sábios do passado quiseram entender
a não entenderam e nos fazer ver as coisas que profetas e reis quiseram ver e
não viram.
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