Um trabalho de amor

A última ceia em Jerusalém, Paulo Lara
Texto de João Wesley Dornellas.
Uma das coisas que acho mais bonitas na história de nossa igreja [de Vila Isabel] é o trabalho de preparação dos elementos da santa ceia nos primeiros domingos do mês. A maioria das pessoas de nossa igreja não se dá conta do que acontece naquela preparação nem tem acompanhado o serviço anônimo e bonito que tem sido feito. Quando às vezes falo sobre o assunto, algumas pessoas ficam muito surpresas com o que lhes digo e sugerem que eu escreva a respeito. É o que estou fazendo.

Antes de mais nada, agora que foi aprovado o uso dos copinhos descartáveis, é preciso relembrar o que havia antes da introdução dos copinhos de vidro que usamos durante mais de vinte anos, acondicionados em bandejas redondas com local para encaixe dos mesmos. Quando eu cheguei a Vila Isabel, os copinhos eram, na realidade, cálices com pés, muito bonitos, que eram servidos numa bandeja comum. As primeiras bandejas redondas com os copinhos de vidro, idênticos aos de plástico, foram um oferecimento da saudosa Nice Daltro Santos.

Agora, então, vamos à preparação dos elementos da eucaristia. Essa era uma tarefa tão importante que - eu me lembro muito bem - na maioria das igrejas que meu pai serviu como pastor, era ele quem preparava , não só o suco de uvas como o pão partido em quadradinhos. Da mesma forma que preparava o pão e o "vinho" para seu "kit" de bolso para visitas pastorais, ou seja, um estojo com quatro copinhos, uma pequena pátena (para se colocar o pão) e um frasco para servir o "vinho". Guardo com muito carinho o seu último estojo de santa ceia.

Em Vila Isabel, isto nunca fez parte dos deveres do pastor. Acredito que a tradição que temos tenha vindo da inauguração do nosso templo - em 1922 - ou pouco depois com a chegada de Itiberê Deslandes. Pelo que sei, nos anos trinta, ele, que era presidente da Junta dos Ecônomos e superintendente da Escola Dominical, se responsabilizou carinhosamente por esse trabalho. Quando aqui cheguei em 1963, havia um minúsculo compartimento ao lado da secretaria da igreja e era ali que Itiberê sozinho preparava os elementos. Com as obras de 1968, com a transferência de local do banheiro masculino, foi que o compartimento ficou maior e ganhou uma pia.

Quando Itiberê era vivo ainda não havia sido permitida a participação de leigos na ministração do sacramento, o que só ocorreu no Concilio Geral de 1974. Ele nunca entregou os elementos, mas posso me lembrar dele, em pé no canto direito do genuflexório, aguardando a determinação do pastor para substituição das bandejas. Como a comunhão era servida em cálices, tinha que haver duas ou três reposições de bandejas a cada ministração da ceia.

Não se sabe se alguém escalou Iitiberê para preparar os elementos ou se ele mesmo tomou a iniciativa, mas o certo é que, durante mais de trinta anos, essa era uma tarefa dele. Quando já estava doente, passou a ter um ajudante, o também saudoso Ovídio Araújo que o substituiu na preparação dos elementos e também ficava de pé no mesmo local em que Itiberê ficava.

Sem estar vinculada a cargos ou estruturas, essa amorosa tarefa de preparação dos elementos passou às mãos e ao coração de Elzira Peixoto que a exerceu com muito carinho durante muitos anos. Foi um pouco antes da enfermidade de Nelson Peixoto, que passou a ter uma ajudante, na pessoa querida da Eunice, que é agora a responsável. Eunice já tem uma ajudante no doce encargo, que é a não menos querida Léa. E o que todos esperamos é que, durante muitos e muitos anos, elas continuem esse trabalho anônimo, amoroso e muito importante de preparação do pão e do vinho da comunhão. Quando as vemos nessa atividade, podemos muito bem nos lembrar de outras mulheres muito fiéis que, num certo domingo pela manhã, saíram de suas casas e foram ao sepulcro para preparar o corpo de Jesus, encontrando-o vazio.

Fica aqui uma sugestão para que Eunice, Léa e Elzira possam, num domingo de comunhão, juntas, ajudar os pastores na ministração dos sacramentos, elas que durante tantos anos têm ajudado no trabalho de sua preparação. E para que não esqueçamos a figura ímpar de Ovídio Araújo, sua filha Maria Çélia, que voltou à nossa comunidade de fé depois de ter morado fora muitos anos, poderia muito bem completar o grupo.

E termino este relato com uma curiosidade em relação às toalhas que cobrem os elementos. Quando eu fazia parte da Junta dos Ecônomos, sendo seu secretário, um dos ecônomos, que faz parte hoje de outra igreja, propôs, tendo em vista que, nos domingos de comunhão, a toalha branca sobre as bandejas dava um feio aspecto, parecendo, como ele dizia, o corpo de um defunto, que a toalha fosse suprimida.

Ele, bem como quase todos os ecônomos, que se preparavam para aprovar a proposta, ficaram muito surpresos quando eu disse que era isto mesmo, ou seja, que as toalhas brancas de linho, usadas em todas as igrejas, relembram justamente o lençol de linho com o qual José de Arimatéia (Lc 23:53) enrolou o corpo de Jesus quando foi descido da cruz e levado ao sepultamento. E o que fica embaixo das toalhas é exatamente o símbolo do corpo de Jesus, que é dado por nós.

Ainda sobre elementos da ceia, aproveitando este restinho de espaço na página, eu relembro uma prática metodista que infelizmente está caindo em desuso no ritual da santa ceia. Antigamente, logo após a consagração dos elementos, o pastor ou pastores se ajoelhavam e participavam dos elementos, cerimônia essa à qual se seguia a oração do Pai Nosso por toda a congregação. Só aí então é que era feito o chamado dos fiéis à mesa. Essa prática dá, sem dúvida, mais Solenidade ao ato e não se trata de nenhum clericalismo de minha parte. À noite, a cerimônia se repetia da mesma forma e o pastor novamente participava dos elementos.

Como tenho mostrado em outros artigos, a Santa Ceia é, no dizer de João Wesley, um dos mais importantes meios de graça. Dai ela precisar ser sempre inspiradora e organizada.

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